O segmento de Móveis Planejados cresceu significativamente nos últimos tempos, no compasso da expansão da construção civil e do mercado imobiliário. O excesso de demanda por tais produtos tem estimulado o empreendedorismo de modo significante, com inúmeras indústrias, lojistas credenciados como representantes das respectivas fábricas, das quais divulgam e comercializam linhas de produtos com exclusividade.
Pois bem, são inúmeras as qualidades que poderíamos elencar em relação ao setor de móveis planejados no País, cuja estrutura está alicerçada nesse sistema de parcerias com representantes. Entre os aspectos positivos destacam-se a geração de renda e desenvolvimento; treinamento e formação de mão de obra especializada, muitas das vezes arquitetos, projetistas e montadores de altíssimo nível; sistemas de software para elaboração de design, gestão de estoque, logística de distribuição, entre muitos outros.
Por outro lado, verificam-se recorrentes violações aos direitos de consumidores, frequentemente por parte de algumas lojas mal-estruturadas. Cediço é que o fabricante que as credenciou tem o dever de absorver os prejuízos e reparar os danos advindos da má gestão de seus representantes. A história costuma ser sempre parecida com essa: indústrias muito renomadas, conhecidas pela qualidade de seus produtos e de grande visibilidade nos meios de comunicação, credenciam representantes despreparados e não os fiscalizam de maneira adequada. O resultado é: péssimo padrão de serviço, ou ainda inúmeros casos em que se comercializa e sequer são entregues os produtos. A consequência tem sido desastrosa porque, na maioria das vezes, somente pelas vias judiciais consumidores conseguem reaver seus direitos, pois as fábricas tentam se esquivar de suas responsabilidades.
Ora, é de se lamentar que mesmo reconhecendo tratarem-se de seus representantes, e isso evidencia-se muitas das vezes pelas placas e publicidade das lojas, bem como pelo próprio site oficial da fábrica em que aquele determinado lojista via de regra figura como credenciado, além de dispor de software específico que elabora os projetos devidamente homologados pelo fornecedor, com logomarca e tudo o mais. Estranhamente, ao surgir conflito com consumidores, as fábricas buscam se esquivar e transferir aos lojistas as responsabilidades, alegando não fazer parte da relação contratual pertinente à venda, ponto de vista este que tem sido veementemente rechaçado pelos tribunais.
Importante salientar preliminarmente que entre as partes existe uma relação de consumo, de acordo com os artigos 1º e 2º do Código de Defesa do Consumidor. OCódigo de Defesa do Consumidor é um microssistema jurídico, em que o objetivo não é tutelar os iguais, cuja proteção já é encontrada no Direito Civil, mas justamente tutelar os desiguais, tratando de maneira diferente o fornecedor e o consumidor com o fito de alcançar a igualdade. A defesa do consumidor é princípio da ordem econômica, tutelado pela Constituição Federal; possibilitando a intervenção do Estado nas relações privadas, de modo a garantir os direitos fundamentais dos cidadãos. Deve-se ser levado em consideração que, quando o fornecedor comete abusos frente ao consumidor, e não sofre qualquer sanção pela prática abusiva, amanhã, outros consumidores estarão sofrendo os mesmos abusos.
As indústrias fabricantes ao procederem assim não agem com a boa-fé esperada. Consumidores dirigem-se aos estabelecimentos credenciados por se identificarem com os produtos fabricados. Caso não visualizassem seus produtos, não adentrariam naquele estabelecimento.. É sabido que os contratantes são obrigados a guardar, tanto na conclusão, como na execução do contrato, os princípios da probidade e da boa-fé. O julgador sempre poderá corrigir a postura de qualquer um deles sempre que observar um desvio de conduta ou de finalidade. Ou ainda, se o contratante quiser se prevalecer de qualquer situação onde obtenha mais vantagem que aquela inicialmente esperada. Cláudia Lima Marques, cuidando das relações contratuais no campo de consumo, afirma que: “propõe a ciência do direito o renascimento ou a revitalização de um dos princípios gerais do direito há muito conhecido e sempre presente desde o movimento do direito natural: o princípio geral da boa-fé. Esse princípio ou novo mandamento (Gebot) obrigatório a todas as relações contratuais na sociedade moderna, e não só as relações de consumo”.
O limite da função social e o princípio da boa-fé, agora consignados na teoria geral dos contratos, se completam para permitir uma visão mais humanista desse instituto que deixará de ser apenas um meio para obtenção de lucro. Sendo assim, deverá ser reequilibrada a relação jurídica devido à conduta de eventual loja que recebeu do consumidor o pagamento pela mercadoria e não a entregou, não cumpriu a montagem do serviço contratado, ainda que esteja inadimplente com a fábrica, pois esta a credenciou para que comercializasse, revendesse seus produtos e executasse a instalação. Teria portanto também responsabilidade, respondendo assim por todos os seus atos atinentes ao negócio. Evidente o aspecto de que induziu o cliente a entrar na determinada loja e fechar negócio, atraído pela credibilidade que é imbuída por se tratar de marca de renome. Neste sentido os seguintes julgados in verbis:
EMENTA: BENS MOVEIS - Compra e venda - Pretensão de cumprimento de obrigação de fazer cumulada com indenização julgada parcialmente procedente – Cerceamento de defesa - Não ocorrência - Responsabilidade solidária entre a fabricante dos móveis e a vendedora - Reconhecimento - Incidência do disposto nos artigos 7o, 25, § 1º, e 34, do Código de Defesa do Consumidor - Redução da multa diária e dilação do prazo para cumprimento da obrigação de fazer - Não cabimento - Apreciação do pedido para reconsideração da decisão que deferiu a antecipação da tutela - Questão preclusa - Dano moral - Existência, no caso - Representação processual da fabricante que se tem por regular - Majoração da verba honorária advocatícia que se justifica - Apelação da fabricante não provida, provido, em parte, o recurso adesivo do autor. (APELAÇÃO COM REVISÃO Nº 1.233.238-0/0 (992.08.067599-8) | COMARCA: GUARULHOS - 3a VARA CÍVEL | APELANTES: TODESCHINI S. A. INDÚSTRIA E COMÉRCIO; CARLOS EDUARDO COLOMBI FROELICH | APELADOS: OS MESMOS E ARTENA COZINHAS LTDA). EMENTA: Bem móvel - Ação de reparação de danos – Móveis planejados - Não entrega dos bens - Solidariedade entre a fabricante e a revendedora - Reconhecimento – Agravo retido improvido e recurso de apelação provido em parte. "0 fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos"... Entretanto, o artigo 34 do Código de Defesa do Consumidor dispõe que "O fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos". Assim, se a requerida, fabricante dos móveis, utiliza-se de revendedoras para a venda de seus produtos, as quais transmitem a idéia de confiabilidade que o consumidor deposita na marca da fabricante, sobra evidente a responsabilidade solidária da Todeschini S/A Indústria e Comércio pelo inadimplemento contratual. Embora não tenha praticado a venda direta à consumidora e nem tenha Participado da elaboração do projeto, permitiu que a vendedora se utilizasse de sua marca, mesmo que não seja sua representante.
Assim, ao contratar com a Artena a consumidora o fez na certeza de adquirir produto com a tradição, qualidade e garantias da requerida. Pelas fotografias acostadas às fls. 59/60, a Artena adotou o nome da fabricante para atrair consumidores com seu logotipo, deixando evidente que a consumidora confiou na idoneidade dos representantes. Assim, não há como reconhecer-se a ilegitimidade passiva da requerida, ante a solidariedade evidenciada pelo artigo 34 do Código de Defesa do Consumidor. Em sentido convergente, já restou julgado por este Colendo Tribunal:
"Compra e venda de equipamentos odontológicos. Empresa contratada que é autorizada, trabalha com material da corre e usa sua logomarca. Consumidora atraída pelo bom nome da corre. Empresa contratada que não é idônea. Responsabilidade solidária da co-ré. Princípio da lealdade. Recurso não provido" (Apelação com revisão n.º 992.09.083397-9 - Rel. A Des. A Rosa Maria de Andrade Nery- J. 19.07.2010). E evidenciada a solidariedade existente entre a requerida e a revendedora dos bens (Artena) não há que se falar em denunciação da lide, pois tal situação não se encontra na esfera de influência do artigo 70, III, do Código de Processo Civil. Nesse sentido, a lição de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery In "Código de Processo Civil e Legislação Processual Civil Extravagante em Vigor", explica que "o direito de regresso oriundo de solidariedade não pode ser exercido por meio da denunciação da lide, porque o sistema possui outro meio para tanto (Sanches, Denunciação, 118). O CPC 77 confere ao devedor solidário a utilização do chamamento ao processo para acertar a responsabilidade de cada um dos co-devedores solidários" (6a ed., São Paulo: RT, 2002, p. 375, n.º 14). – grifos nossos... (Apelação nº 992.09.043887-5| Apelante TODESCHINI S/A INDUSTRIA E COMERCIO | Apelado MARIA EMILIA NIEMEYER MARÇAL | 30a Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo | Relator: Orlando Pistoresi | DOU 1/9/2010).
Ainda no mesmo sentido:
APELAÇÃO AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAIS E MORAIS E PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA Aquisição de móveis planejados Não entrega dos móveis na data aprazada Cumprimento parcial do contrato, com defeito, sem prejuízo de outra parte não cumprida Abusividade Violação dos direitos dos autores, caracterizando a responsabilidade da empresa ré ATO ILÍCITO CONFIGURADO INDENIZAÇÃO DEVIDA O fornecedor de serviço ou produto responde, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos Violação dos direitos do usuário dos serviços, caracterizando a responsabilidade da prestadora de serviço Danos caracterizados Inteligência do artigo 14, da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 Sentença mantida. APELAÇÃO CÍVEL nº 0014623-52.2011.8.26.0562 COMARCA SANTOS 5ª VARA CÍVEL Apelante: Móveis Bentec Ltda. Apelados: Heloisa Reis Silva e Leandro Besada Alvarez Interessado: Adriano Nunes Brasiliense Me. Juiz 1ª Inst.: Dr. José Wilson Gonçalves "Irresignada, apela a corré Bentec, pretendendo a inversão do quanto julgado, sustentando, em preliminar de mérito, a ilegitimidade passiva, por não ter qualquer responsabilidade pela negociação havida entre a primeira ré e os autores, uma vez que não efetuou a venda de seus móveis... É o relatório, passo ao voto. I - A preliminar de ilegitimidade passiva foi suficientemente enfrentada e afastada pela sentença atacada. O apelo não trouxe a este juízo qualquer elemento suficiente a justificar a modificação do entendimento do juízo a quo. Mesmo porque, integrante da cadeia consumerista no polo fornecedor tem sua corresponsabilidade confirmada para fazer frente ao dano causado ao polo consumidor, de índole objetiva, garantindo-lhe plena legitimidade, tal como decidido. II - No mérito, a irresignação é improcedente..."
Pode-se observar que no mercado existem lojas idôneas, profissionais altamente capacitados. Infelizmente, casos como os que expusemos acima, que envergonham o setor, promovem sérios reflexos, maculando os negócios, fazendo com que os empreendedores sofram as vicissitudes da falta de credibilidade, tendo em vista que os consumidores tornaram-se desconfiados em relação às lojas em geral. É mister que empresários sérios devam reagir e exigir maior compromisso das indústrias. Em um caso em que acompanhei, consumidora ao adquirir os móveis estava tão insegura em virtude do espectro de má fama que paira nesse segmento, que fez a seguinte proposta ao lojista: ela se dispôs a pagar à vista, sendo que creditaria diretamente ao fabricante, Indústria de Móveis Finger - depositou na conta da fábrica o valor da aquisição. Pois bem, isto feito, pensou estar livre de eventuais problemas com seu mobiliário que lhe prometeram entregar em quarenta dias. Para sua surpresa, enfrentou verdadeiro pesadelo que envolveu atrasos de mais de oito meses, montagem de material de procedência ilegítima, entre outros inúmeros dissabores. Procurou a fábrica para relatar o seu problema e tentar amigavelmente solucionar sua aflição e, em resposta, recebeu tratamento ríspido e incompreensivo, alegações de que deveria se entender com a loja - pasmem, lojista que por sinal a essa altura já havia inclusive encerrado suas atividades. Procurou e obteve seus direitos pelas vias judiciais.
APELAÇÃO COM REVISÃO nº 0015011-52.2011.8.26.0562 COMARCA SANTOS 3ª Vara Cível Juiz (a): Gustavo Antonio Pieroni Louzada Apelantes: INDÚSTRIA DE MÓVEIS FINGER LTDA. (ré) e MARCELA DI PINTO (autora, com recurso adesivo) Apelados: MARCELA DI PINTO (autora, com recurso adesivo) e INDÚSTRIA DE MÓVEIS FINGER LTDA. (ré)
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